quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O dia que conheci Chico Buarque




Aos onze anos, num dezembro qualquer da década de noventa, gravei no rádio gravador do meu avô um especial com músicas de Caetano e Chico. Naquela época, esses nomes não me diziam nada. Talvez eu já os tivesse ouvido em alguma conversa musical dos meus pais, mas não lembro de os ter conhecido. Recordo-me que por falta de opção a gravação foi feita numa fita antiga que vinha com o Meu Primeiro Gradiente, aquele gravadorzinho que fazia karaokê e era vermelho. Tempos depois, deparei-me com a fita e tudo mudou.

Não sei explicar, mas ouvir Caetano com sampas, chuvas, suores e cervejas, leaozinhos, odaras... e Chico com as bandas, cálices, trocando em miúdos modificaram-me definitivamente. Naquele momento, o senhor dos olhos ardósia me cativou mais. Fiquei apaixonada.

Consegui com um vizinho mais velho todos os seus LPs e aos poucos ia fazendo a minha audioteca buarqueana. Colecionei quase todas as músicas. Juntei o dinheiro que meus pais me davam para o lanche e comprei por telefone uma biografia do compositor de Samba do grande amor. Lembro que por essas coincidências da vida, o livro de capa bege chegou no dia 19 de junho. Rapidamente devorei o livro e virei uma fã incondicional. Estava no início da adolescência e escolhi o Chico para ser o meu ídolo. Sonhava, suspirava por ele. Recortava suas fotos que encontrava nas revistas, fazia o meu dossiê CB. Sabia quase todas as suas músicas decoradas e elegia cada uma delas para certos momentos da minha vida. No entanto, havia uma composição que eu jurava de pés juntos que ele tinha feito pra mim: Sentimental.

Meus amigos e minha família sabiam daquela paixão pueril. Meus pais orgulhosos, de alguma forma, alimentavam-na. Falar de Buarque funcionava pra mim como um passaporte para o mundo dos adultos. Eu era considerada mezzo prodígio, mezzo estranha por idolatrar um cara que não era da minha geração.

Um dia, ele veio ao Recife. Era a turnê de As cidades. Fiquei completamente inebriada com a sua presença física a poucos metros de distância. Estava de férias no interior e viajei 130 km para assisti-lo. Como fui feliz aquela noite. No outro dia chorei horrores, pois as fotos que havia tirado queimaram.

Hoje revivendo este encontro afirmo que sem sombras de dúvidas minha vida não foi mais a mesma depois de ouvir aquela fita transparente. Apaixonada, na tentativa de compreender e de saber sobre o universo e sobre a biografia do meu amor fui deparando-me com nomes que foram fundamentais para a minha formação intelectual. Um desses nomes foi o do seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda. Aos 15 anos, li Raízes do Brasil. Entendi pouca coisa, mas a reflexão sócio-histórica do livro ficou. Depois conheci Rubem Fonseca, ex-sogro da sua filha Sílvia. Outro caso de paixão. Li inúmeros livros do mestre da literatura policial brasileira e nunca mais deixei de tê-lo como referência. Aos poucos, encontrava Dostoievski, Tolstoi (os dois escritores eram referencias pra ele na adolescência tb), João Cabral, Manuel Bandeira (compadre de seu pai), Vinicius.

Cheguei à Bossa Nova e foi outra revolução. Agora meu coração era dividido entre Buarque e Tom. Com Chico além de música e literatura, descobri cinema, política, filosofia e muitas outras coisas que hoje fazem parte de mim.

Como as verdadeiras paixões, passou. Ficou a sensibilidade poética, a memória das suas músicas e as recordações que saem delas. Hoje tenho algumas ressalvas em relação às construções e idealizações que o cancioneiro buarqueano projeta.


Em tempo: ainda há algumas coisas que Francisco me possibilitou. Relato posteriormente. Depois tb falarei do efeito Caetano na minha vida.

Palavras retóricas

“Conte sempre comigo”,
“Precisando é só ligar”,
“Te ligo amanhã”
“Vamos marcar de nos encontrar?”
“Poxa, quantas saudades...”

Até quando lançaremos mãos de frases retóricas jogadas ao ar sem quaisquer compromisso com a verdade, ou melhor, com a realidade?? Sabe quando você encontra aquela pessoa que você não vê há séculos e ela enuncia algo do tipo: vamos marcar pra conversar, precisamos botar a fofoca em dia. No entanto, tanto você quanto ela sabem que esta afirmativa é tão inverossímil quanto as novelas de Manoel Carlos, que eu amo. Já passei por diversas situações parecidas como aquelas em que vc dá carona a um amigo e ele te chama pra subir pra casa dele na hra da despedida.

Se essas coisas me acontecessem há um tempo atrás eu ficaria um tanto quanto incomodada por estas atitudes meio.... deixa pra lá. Na terapia tentei segurar a onda e diminuir a exigência em relação aos outros. “Aprendi”. Mas vez por outra, fico meio emputecida de ouvir estas palavras que as pessoas jogam ao léo. Sabe pq? Pq elas atestam um certo descompromisso com o outro e, radicalizando, com a verdade. Eu mesma já cometi essa “gafe” várias vezes, hj me policio. Tento prometer apenas aquilo que posso cumprir. Mesmo que demore um pouco, eu sei.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Oito horas por dia

Eu nunca vi uma resolução (não sei, ou melhor, não lembro que outro termo poderia usar) tão idiota como aquela que determina as escravizantes 8h/dia. Sei não. Acredito que esse lance do horário de trabalho deveria ser flexível, algo como carga horária relativa à demanda e que casa-se com a responsabilidade do empregado e tal. (Neste quesito tenho um pouco de sorte)

A incongruência das benditas 8h diárias reside no fato que sendo assim, não há o tempo para o ócio criativo, para o aprimoramento... se eu fosse conversar isso com algum amigo marxista ele diria que esta é a lógica do sistema capitalista. O burguês suga todas as suas energias para que você não possa ter consciência da sua situação opressiva e para que você não tenha a possibilidade de ascender. Acho que tou começando a concordar e o que é pior, o sistema já me engoliu. E agora, o que farei?

Em tempo: sempre achei que os meus melhores momentos são aqueles em que fico sem fazer nada, preguiçando, pensando e tal. São neles que me encontro, imagino, sonho e, sobretudo, aprendo.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Andar de ônibus

Desde o Dia Internacional sem Carro _ 22 de setembro _fiquei pensando sobre a necessidade de minimizar a sua utilização na minha vida. Usar o tempo todo este veículo é contraditório, louco, talvez. Você ganha liberdade, mas perde interação, contato. É uma das formas de prisão que os pequenos burgueses se submetem. As pessoas passam a ter apenas contatos com seus iguais, passam a aspirar coisas semelhantes e o pior a ter o mesmo discurso. Quero isso não.

Fora que quando você está ao volante esquece de olhar a cidade e as pessoas. E isso é tão problemático. Prefiro o olhar do turista, do encantamento. Não quero deixar de ser seduzida pelas pontes e pelas geografias humanas desenhadas nos rostos dos transeuntes e dos passageiros de ônibus.

Outro ponto que contribui para que eu escolha conscientemente utilizar os transportes públicos é a questão da minha profissão. Mesmo que hoje eu esteja assessora de imprensa não posso perder de vista a sensibilidade e o espírito jornalísticos. E partes deles surgem com o contato, com o transitar...

Andar de ônibus é fundamental para a sobrevivência de uma parte de mim que, por vezes, distancia-se.

Há oito anos vivo confinada dentro do meu carro sem ter a exata noção do que sou ou do que era a minha cidade. Perdi a capacidade contemplativa. Lamentável.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A crise do depois dos 25

Apesar de nós sempre acharmos que estamos à frente de tudo quando nos comparamos à outras civilizações, penso que alguns dos nossos parâmetros e nossas verdades são dolorosamente opressoras, sobretudo, quando pensamos no universo feminino burguês. Senti isso há duas semanas, quando completei 26 anos. Uma espécie de crise light pré-existencial aproximou-se de mim. Daí, pude pensar sobre algumas coisas com as quais eu convivo, mas que não tinham sido de certa forma percebidas.

1. odeio a ditadura do cabelo lisérrimo; já submeti-me às escovas progressivas da vida, uma única vez confesso, mas hoje não faria mais isso. Acho uó quem vive em função dos parâmetros alheios. Prefiro o meu cabelo liso-indefinido, ao natural mesmo.

2. também desencanei desta coisa de viver com dez quilos a menos que a sua altura. Estou bem com os meus 64 kg / 1,71 m. Detesto tb este lance da obrigatoriedade de fazer exercícios físicos. E aquele lance do eterno regime feminino? Não gente, acho tudo isso insuportável. Não é um manifesto pró-obesidade, mas acho que devemos nos curtir sem neuras e sem auto-violações saca?
3. descartei também o lance de colocar silicone. Ainda bem que me conscientizei antes de fazer a merda.

4. aquela história que a gente tem que tá sempre bonitinha, arrumada e com um cara maravilhoso ao lado ninguém merece né? Eu adoro maquiagem, roupa, sapato e perfumes, mas sem o lance da obrigatoriedade, sem essa de “ter que estar”. Já quanto ao bonitão, é bom tê-los por perto, mas com paixão, parceria e disponibilidade. Sem estes itens as coisas não valem a pena, ficam meio fakes.

5. outra falácia que pensei foi a da eficiência da mulher multifunções (mãe, dona-de-casa, profissional exemplar, boa companheira e amante). Esta é a mais opressora de todas. E parte dos nossos problemas estão resumidos aqui. Aos poucos, tenho tentado eximir-me das culpas ao mesmo tempo em que deixo de acreditar em heroínas. Não é um processo fácil, pois desde sempre fui programada para desempenhar todas estas atividades (leia-se bonecas, casinhas, boas escolas, bons empregos, príncipes encantados, manuais de sexo).

Talvez tudo eu que disse seja muito clichezão. Todo mundo já tenha falado isso milhões de vezes e tal. Mas completar 26 anos permiti-me tb caminhar por lugares conhecidos, apropriar-me de discursos alheios sem a pretensão de ser original e genial. Há ainda alguns outros aspectos que giram em torno da proximidade dos trinta. Eles são mais subjetivos, mais íntimos, no entanto, ainda não consegui identificá-los

Desabafo

Nunca pensei que uma merda de um assalto ia me fazer refletir tanto. Sabe quando você se sente ultrajada? Passei por esta sensação na última semana quando ocorreram dois fatos inusitados: na segunda, recebi um telefonema de um cara que me ligou para dizer que havia sido assaltado no sábado dia 18 que levaram o carro dele e tal, que o carro que o assaltou era o meu e que por acaso o local do assalto foi na minha rua, coisa de uns 100 metros. Isso me deixou abalada. Aí, depois, na sexta, quando estou indo pegar o ônibus vejo o meu carro trafegando na avenida normalmente. Foi a gota d’água. Aquilo me feriu profundamente. Não pelo fato de ver o meu carro, mas pela impunidade, pela insegurança, por um sentimento que não sei nem precisar. O cara ficava passeando de carro como se fosse normal, tudo muito tranqüilo.

No sábado, às 7h15 recebo um telefonema de um agente da PRF. Encontraram o bendito carro. Roubaram todo o que podiam bateria, pneus, extintor... Tudo terminou.

Mas ficou aquela sensação estranha, descrença. Espero que passe.

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Confessei a minha experiência pra poder refletir sobre a segurança pública e sobre a violência, ou melhor, o estado de violência que vivemos.

A quem devemos recorrer? A ineficiente polícia civil que, como todos sabemos, é sucateada, desonesta, recebe baixos salários, não tem infra-estrutura, não consegue dar conta da demanda,...

O pior é que somos conscientes de tudo, mas a ficha só caí quando precisamos do seus serviços. Na realidade, a classe média, vive numa pseudo-blindagem, uma suposta tranqüilidade.

Agora, luto para não mudar meus hábitos, para não entrar na paranóia de que serei a próxima vítima a qualquer momento.

Na realidade, a impunidade está em todos os lugares, ela é a quase sinônimo do meu país. Infelizmente.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A partida

Osman Lins é um dos grandes escritores que conheci. Vou falar dele e, especificamente deste texto mais tarde.



A partida
Osman Lins


Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. Verifico também que estava aflito e que havia um fundo de mágoa ou desespero em minha impaciência. Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. Estava farto de chegar a horas certas, de ouvir reclamações; de ser vigiado, contemplado, querido. Sim, também a afeição de minha avó incomodava-me. Era quase palpável, quase como um objeto, uma túnica, um paletó justo que eu não pudesse despir.

Ela vivia a comprar-me remédios, a censurar minha falta de modos, a olhar-me, a repetir conselhos que eu já sabia de cor. Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.Na véspera da viagem, enquanto eu a ajudava a arrumar as coisas na maleta, pensava que no dia seguinte estaria livre e imaginava o amplo mundo no qual iria desafogar-me: passeios, domingos sem missa, trabalho em vez de livros, mulheres nas praias, caras novas. Como tudo era fascinante! Que viesse logo. Que as horas corressem e eu me encontrasse imediatamente na posse de todos esses bens que me aguardavam. Que as horas voassem, voassem!

Percebi que minha avó não me olhava. A princípio, achei inexplicável ela fizesse isso, pois costumava fitar-me, longamente, com uma ternura que incomodava. Tive raiva do que me parecia um capricho e, como represália, fui para a cama.

Deixei a luz acesa. Sentia não sei que prazer em contar as vigas do teto, em olhar para a lâmpada. Desejava que nenhuma dessas coisas me afetasse e irritava-me por começar a entender que não conseguiria afastar-me delas sem emoção.Minha avó fechara a maleta e agora se movia, devagar, calada, fiel ao seu hábito de fazer arrumações tardias.

A quietude da casa parecia triste e ficava mais nítida com os poucos ruídos aos quais me fixava: manso arrastar de chinelos, cuidadoso abrir e lento fechar de gavetas, o tique-taque do relógio, tilintar de talheres, de xícaras.Por fim, ela veio ao meu quarto, curvou-se:— Acordado?Apanhou o lençol e ia cobrir-me (gostava disto, ainda hoje o faz quando a visito); mas pretextei calor, beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas.Não consegui dormir. Continuava preso a outros rumores.

E quando estes se esvaíam, indistintas imagens me acossavam. Edifícios imensos, opressivos, barulho de trens, luzes, tudo a afligir-me, persistente, desagradável — imagens de febre.Sentei-me na cama, as têmporas batendo, o coração inchado, retendo uma alegria dolorosa, que mais parecia um anúncio de morte. As horas passavam, cantavam grilos, minha avó tossia e voltava-se no leito, as molas duras rangiam ao peso de seu corpo. A tosse passou, emudeceram as molas; ficaram só os grilos e os relógios. Deitei-me.Passava de meia-noite quando a velha cama gemeu: minha avó levantava-se.

Abriu de leve a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu, veio chegando e ficou de pé junto a mim. Com que finalidade? — perguntava eu. Cobrir-me ainda? Repetir-me conselhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso de raiva. Ela estava olhando para mim e chorando como se eu fosse um cadáver — pensei. Mas eu não me parecia em nada com um morto, senão no estar deitado. Estava vivo, bem vivo, não ia morrer. Sentia-me a ponto de gritar. Que me deixasse em paz e fosse chorar longe, na sala, na cozinha, no quintal, mas longe de mim.

Eu não estava morto.Afinal, ela beijou-me a fronte e se afastou, abafando os soluços. Eu crispei as mãos nas grades de ferro da cama, sobre as quais apoiei a testa ardente. E adormeci.Acordei pela madrugada. A princípio com tranqüilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restavam-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco.

Veio-me então o desejo de não passar nem uma hora mais naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela?

Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?Ela estava encolhida, pequenina, envolta numa coberta escura. Toquei-lhe no ombro, ela se moveu, descobriu-se. Quis levantar-se e eu procurei detê-la. Não era preciso, eu tomaria um café na estação. Esquecera de falar com um colega e, se fosse esperar, talvez não houvesse mais tempo. Ainda assim, levantou-se. Ralhava comigo por não tê-la despertado antes, acusava-se de ter dormido muito. Tentava sorrir.

Não sei por que motivo, retardei ainda a partida. Andei pela casa, cabisbaixo, à procura de objetos imaginários enquanto ela me seguia, abrigada em sua coberta. Eu sabia que desejava beijar-me, prender-se a mim, e à simples idéia desses gestos, estremeci. Como seria se, na hora do adeus, ela chorasse?

Enfim, beijei sua mão, bati-lhe de leve na cabeça. Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta e, ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Acabrunhada

No momento, estou sem esperanças no meu país. Espero que seja uma sensação momentânea, algo passageiro, reflexo dos últimos acontecimentos. Estou assim desde que a minha pseudo-segurança pequeno burguesa foi colocada em xeque. Isso mesmo, entrei para os índices das vítimas da violência urbana e há nisso tudo diversas nuances. Há sentimentos, frustrações e incertezas. Por isso, desabafarei.

A noite do dia 11 de outubro de outubro pra mim foi meio adversa. Fui assaltada quando chegava em casa com meus pais. Estávamos no nosso prédio e um sujeito que apareceu do nada, apontou uma arma pra minha cabeça, engatilhou o revólver pra minha mãe, levou o meu carro, minha bolsa, meus documentos. Até aí “tudo bem”. São apenas perdas financeiras, mas houve também perdas afetivas e emocionais. Estava no carro um diário da minha mãe que tinha no mínimo 50 anos de existência. Lembro de alguns momentos encontrá-la lendo o que seu pai havia escrito. Era uma forma de torná-lo presente, vivo. Havia também dois vestidinhos meus da época em que era bebê. Eles eram lembranças para mostrar aos meus filhos, pois foram as minhas primeiras roupinhas. Já as perdas emocionais são algumas: uma sensação de insegurança, impotência,...

Na realidade, narrei este episódio para poder falar sobre a violência urbana e como ela esta sendo naturalizada entre nós. Duas coisas me vêm à cabeça: a minha experiência como repórter policial e o contador do pebodycount que vejo todos os dias. Como repórter, eu sempre tentava distanciar-me de alguma forma, uma coisa pra se proteger emocionalmente e tal. Na verdade as vidas e as dores, viravam personagens, noticias, histórias, leads... Se na época eu já achava tudo uma merda, agora distante temporalmente daquilo ali, aí é que me incomodo mesmo. Quanto ao PE Body Count, site feitos por uns colegas jornalistas e que tem um contador sobre os números da violência no estado, todo dia eu passavam em frente ao contador e via sem muito espanto os números de homicídios que sempre ultrapassavam uma dezena. O impressionante nas duas experiências é que as estatísticas e leituras jornalísticas e sociologizantes cediam lugar a algo que é muito maior. Algo que envolve subjetividades como comportamentos, escolhas, emoções, saúde...

Uma outra observação.O que mais ouço desde do dia do assalto é “graças a Deus estão todos bem” ou “podia ter acontecido algo pior”. Concordo com o principio das duas sentenças, no entanto, acho que quando colocamos as coisas desta forma estamos nos adaptando a uma situação inadaptável, algo que não pode ser visto de uma forma tão prosaica. Graças a Deus que eu saí ilesa sim, mas não posso sentir-me aliviada. E o discurso que evoco aqui não é o da materialistasinha ou da burguesinha que só pensa em grana e que despertou pra realidade social agora. Eu tou pensando que de repente o meu vizinho que mora na favela ao lado está gritando pra mim que não existe Estado, segurança pública e que eu vivo na terra de ninguém. Sim, pq uma semana depois do meu assalto, foi a vez da minha prima que estava chegando na casa da minha tia que mora uma rua depois da minha. Ela teve mais sorte, a gasolina do carro dela acabou e o automóvel foi encontrado; E o que é pior, ontem um senhor não sei de onde liga pra mim e diz que foi assaltado na minha rua, cerca de 100 metros da minha casa, e que o carro que foi utilizado para o assalto era o meu. J Parece piada né? Mas não é. Quando fui à delegacia fazer o B. O. encontrei uma delegacia caindo aos pedaços, não tinha cadeira pra sentar e um funcionário puto que amargamente dizia-me: no meu plantão de hoje, que ainda está na metade, o seu carro é o 15º automóvel roubado. Lembrando só que era uma delegacia de plantão de um bairro classe média. Sei não viu?


Diante deste quadro dantesco, lembrei de uns colegas do curso de francês que apesar da vida estabilizada aqui no Brasil, decidiram migrar para o Canadá em busca de um pouco mais de segurança e de um Estado eficiente. Não sei se pra mim a migração seria uma possibilidade viável. Eu acreditava tanto em tudo isso aqui.

Sei lá, comecei

Eu sempre tive muita vontade de ter um blog. Há algum tempo, acompanho os textos dos diários virtuais de amigos próximos e, de alguns meses pra cá, visito diariamente páginas de pessoas que não conheço, mas que me encantam pelo estilo ou pelos assuntos que abordam. Na realidade, o que me fazia adiar o projeto de iniciar na vibe da blogosfera era pensar em ter que fazer definições sobre mim (como as que vejo nas margens das páginas que entro) e, sobretudo, ter que definir o “pseudo perfil editorial” do meu espaço. Sei lá, neste momento ando meio avessa à definições ou coisas do gênero. Também fico um pouco incomodada de expor-me indiscriminadamente. No entanto, mesmo sem saber o que será, irei entrar aqui. E esta decisão tem algumas justificativas psicologizantes pra mim. Parar para escrever aqui será o momento da oxigenação, da confissão, da criatividade,...

Espero ter sempre o que contar. Sejam todos bem-vindos.


Ahh, ia esquecendo, há muito tempo tentei fazer este tipo de “exercício” no fotolog, mas achei que o suporte ia aquém das minhas necessidades proto-filoliterojornalisticoexistenciais; tudo ali soava-me meio raso.


P.S. Créditos para Juju Dutra miga maga mestra para assuntos webísticos.